terça-feira, 25 de junho de 2019

CARTA A PESSOA



Em 13 de Junho de 1888, nasceu o GÉNIO.

CARTA A PESSOA

Meu caro Fernando
É de lodo e nódoa este país que vejo
Babado e sabujo gastando-te o nome
Despudoradamente

Remexem-te a arca acordando os silêncios
De todos os teus versos outrora negados
E não deixam mais que descanses em paz
Os ossos cansados e essa tua cirrose
Tão laboriosamente bebida e consentida

Desnudam-te a alma, as cartas, os sonhos
E os desesperos que sozinho viveste
Nas sombrias paredes de humílimos quartos
Dissecando as contas que nunca pagaste

Ávidos de nome, e para darem nas vistas
Rasgam-te as ceroulas que nunca despiste
Para a tua Ofélia que amaste demais
E outorgam-te paixões individualistas
E honro-fatais

E certos ratos de bibliotecas pardas
Exauridos de raiva e de ciúme indispostos
Quase negam as quadras grandiosas e simples
Com que o povo te lembra, te soletra e canta
(tu que foste poeta para todos os gostos)

Sequiosos de fama, e de dinheiro famintos
Masturbam discursos sobre o teu passado
E esfregam-se nas praias do teu frágil corpo
Curvado à angústia de tanto desprezo
E à febre de um sonho etilizado

E tudo isto, Fernando, por que nunca te amaram
Nem compreenderam que no verso mais triste
Escuro ou sombrio que te acontecia
Palpitava inteira, universal e pura
A razão de ser da poesia

Por uma vez, agora, levanta-te Fernando
Levanta-te do túmulo e vem cuspir-lhes na cara
O teu sorriso inquieto, descomunal e mudo
Mesmo doente e bêbado Esclerótico e tudo

Fernando Campos de Castro
Lido por Alzira Santos

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