NA
BIBLIOTECA
O
que não pode ser dito
guarda
um silêncio
feito
de primeiras palavras
diante
do poema, que chega sempre demasiadamente tarde,
quando
já a incerteza
e o
medo se consomem
em
metros alexandrinos.
Na
biblioteca, em cada livro,
em
cada página sobre si
recolhida,
às horas mortas em que
a
casa se recolheu também
virada
para o lado de dentro,
as
palavras dormem talvez,
sílaba
a sílaba,
o
sono cego que dormiram as coisas
antes
da chegada dos deuses.
Aí,
onde não alcançam nem o poeta
nem
a leitura,
o
poema está só.
E, incapaz de suportar
sozinho a vida, canta.
Manuel António Pina
in “Poesia, Saudade da Prosa -
uma antologia pessoal”
lido por Céu Guedes
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