terça-feira, 13 de agosto de 2019

RURALIDADES



RURALIDADES I

Levaste-me para onde
meu estro cansado
necessitava de ir!...
o ar de tão puro
varria-nos as entranhas
de tudo quanto pudesse
fazer-nos mal!
libertos!...
e mal me olhavas
por baixo das lentes
do teu olhar!...
unia-nos o telurismo, o amor
ao som da terra a respirar, a pulsar...
envolviam-nos os odores
a funcho, a hortelã selvagem florida,
a urtiga brava...
- chá para o fígado, chá para o colesterol,
chá para a tensão alta!...
- e chá para os males de amor haverá?...

eu puxava o galho do amieiro
e as amoras de silva brava trepadeira
iam caindo nas tuas mãos fundas
de cuidador como duas taças!...

uma ribeirinha solitária,
de água límpida como cristal,
catraia miúda, vestida de branca
espuma, saltitava
de pedra em pedra
numa cantata tão requebrada,
tão afinada...
(quais notas de Chopin,)
rejubilou ao ver-nos!
prendeu-nos o olhar!...
olhaste-me, enfim:
"olhos nos olhos"!
(perigosa tentação)...
jubilosa, abracei-te!
e nesse abraço, no silêncio
descampado dos afectos,
coube todo o Universo!


Ruralidades II

Enquanto, protegido, colhias
urtigas bravas e outras
para cura de certos males,
as flores simples, selvagens
iam-se tornando rainhas
nas fotos, em que destro,
as perpetuavas:
- flor de figueira do diabo:
- 'pétalas em ventoinha de centro roxo, vês?"
- flor da batateira..." é branca!"
(na foto, qual flor de ramo de noiva?)
flor de malva-rosa, flor de urtiga,
flor de alface florida,
coarias campestres...

- "Tu, Maria, és flor mimosa,
gostavas de ser Rosa?"

tudo mudo e quedo!
colorido de outono
aos tons de sol poente!
(dir-nos-íamos rodeados
de pinturas inspiradas
ao sabor de Monet, Manet
Van Gogh...)
só o eco de duas vozes
no silêncio telúrico do chilreio
dos pássaros e o cante saltitante
da ribeira, catraia, menina...

Maria Afonso Morais
in “Rostos de Terra”

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