CARTA
Quando partiste ainda
havia
Um sol corno de verão.
Partiste, e logo a
invernia
— Triste do meu coração —
Rompeu de cara sombria.
Mar que vias da janela,
Tão sereno e tão azul,
Torvo ao largo se
encapela
Com as lufadas do sul,
Dando núncios da procela.
Uma avesita arribada,
Que à tarde poisou aqui,
Soltou um pio magoada;
Corno eu as tenho de ti
Teve saudades, coitada!
Saudades... se breve
espero
Ver-te, que estás a dois
passos?
Sempre a um pai é
desespero
Não ter a filha nos
braços,
E eu como a filha te
quero.
De passagem te direi
Que ontem, descendo o
valado,
Com a casa defrontei,
E, vendo tudo fechado,
Por vergonha não chorei.
Quando do alto do casal
Me avistavam da janela,
Que alegria triunfal!...
Eras tu, e a Filomela,
E os lenços num vendaval!
— «Depressa, que o tio
espera,
Jantar na mesa, são
horas.»
E a tentar cara severa,
E rindo corno as auroras
Dos dias da primavera!
Agora vêm da invernia
As cordas d'água puxadas
Na força da ventania,
E essas janelas cerradas,
E eu sem a vossa alegria!...
Já nem sei o que
escrevi...
Vou fechar a carta.
Adeus!
Guarda um beijo para ti,
Dá-me um abraço nos teus,
Y nó te olvides de mi!
Bulhão Pato, 1899.
Lido por Ana Maria
Oliveira
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