MATAI-NOS
Já olhamos por netos,
Contamos-lhes histórias d’embalar,
Já os levámos aos jardins infantis,
Aos parques urbanos,
Com eles brincamos
Levamo-los às festas de seus amigos,
À escola,
Às atividades dos tempos livres,
Ginástica, dança, basquetebol.
Agora matai-nos.
A dizer poesia ensinamos,
Levámo-los aos carroceis,
A serem bons meninos educamos,
Demos-lhes muitos abraços e beijos
Prendas e poemas em cada aniversário
Muitas refeições em nossa companhia,
Nós deles e eles nossa alegria
Mas, agora, matai-nos.
Nas doenças estivemos presentes,
Estão quase a namorar,
Mas, agora, matai-nos,
Ouvimos um político português
A condenar a peste grisalha,
Agora, foi a vez
Dum ministro japonês condenar os velhos
Em nome da saúde da economia,
Coisa que não percebo;
Pois se é graças aos velhos,
Que milhões de novos têm emprego!
Se matarem os velhos
Matam afetos dos netos
Que avós nunca chegarão a vê-los!
Onde ficarão as saudades dos netos
De cada geração?
Ao que chega a ingratidão
De querer matar quem ajudou e
Ainda ajuda muitos filhos a comerem pão?
Matai-nos
Como será a lei para matar velhos?
Quando? Como? Com que idade?
Foi essa desgraçada economia,
Em nome da qual puseram os velhos em
maioria,
Graças à inovação e total robotização!
Mas, coisa que não percebo,
É que tratar dos velhos, dar-lhes mais
longevidade,
Andarem por aí a turistar;
a comer e a passear,
Dá aos novos milhões d’empregos!
Acabar com os velhos é eliminar milhões
de postos de trabalho!
Quem os quer matar,
Quem diz que são peste grisalha,
Não é gente, é somente canalha!
Será que no futuro,
Após o casamento de filhos ou filhas
E após o nascimento do primeiro bebé;
Logo, sem piedade, sem dó,
Mata-se o avô e a avó?!!
Mata-se os afetos dos avós aos netos?
Matam-se beijos e abraços?
Mata-se a sabedoria da vida?
Mata-se a poesia de ver os netos a crescer?
Matai-nos
Por fim, será o reinado da economia,
Que chega ao ponto de,
Vejam só, logo que nasça um neto,
Mata-se a velha família!
Um foda-se meu para o japonês,
Um foda-se meu para o político português!
Matai-nos. Que fique
o amor
De eterna peste grisalha.
Quem diz o contrário
Deixai-o dizer,
Não ligueis. É ainda canalha!
Silvino Figueiredo
(O figas de Saint
Pierre de Lá-Buraque)
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