sábado, 23 de junho de 2018

A MULHER MÃE



A MULHER MÃE

A mulher vazia
Tinha os lábios gretados pela saudade
Dos beijos aos seus filhos que o tempo macerou
E que nunca conseguiu concretizar.

A mulher estátua
Estava nua e prenhe de incertezas
Fria alheia apática aparentemente vencida
Numa vida mal vivida e em sofrimento.

A mulher coragem
Tinha no rosto desfigurado a amargura
E nas mãos doridas os filhos instituídos
Contados um a um pelos seus dedos.

A mulher raiva
Digeria em silêncio amargo
O vinagre do sonho o fel da sentença
Que lhe ditou a opacidade da lei.

A mulher resignada
Arfava
Com os nervos acorrentados à flor da pele.
Só os filhos lhe remexiam a inércia do pensamento
Quando as noites longas e frias
Teimavam em não clarear.

A mulher mãe
Estava morta por dentro.
Brilhava apenas em toada intensa
A pluviosidade mártir do seu olhar
Num horizonte de certezas
Distante disforme e entardecido.

António F. de Pina
in “O Amanhecer dos Sentidos”
lido por Beatriz Maia

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