POEMA VIGÉSIMO SEGUNDO
A fome dos poetas é redonda
e funda, como um lago. Não é de agora
esta fome. é de antes do primeiro poeta, e de antes
do antes. É fome do dia seguinte, fome molhada
de futuro.
O poeta nunca abre os braços ao dia de hoje.
Quando o poema nasce, cumprimenta a vida e diz: Olá,
amanhã! Olá coisas que hão-de vir!, para que a poesia
seja o mais além, a irrepetível raiz do mais amor
da escrita.
A fome dos poetas só a tem
a vida, nas coisas sensíveis que permanecem ardendo,
como o vento por dentro das aves e que, assim,
loucas, lúcidas, vivem na cabeça inesperada
das crianças.
Por vezes o poeta devora a sua própria
fome com a boca doente, enlouquecida, capaz de
mastigar o brilho amável das estrelas cuja luz já morreu
mas figurando ainda no mapa do céu como a dor branca
dos poemas.
A fome dos poetas é uma pátria,
um pensamento, uma alegria sem idade, um livro
onde trabalham versos floridos que darão os frutos
do silêncio, esse pão inteligente com que a escrita
alimenta o leitor.
Joaquim Pessoa
in “Guardar o Fogo” (Edições Esgotadas, 2013)
Lido
por Manuela Caldeira
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