PEQUENA ELEGIA DE
SETEMBRO
Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias
de doçura,
os olhos poisados nas
últimas rosas
dos grandes e calmos dias
de Setembro
Que música escutas tão
atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou
mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou
aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música
cesse
e tu não possas mais
olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem
memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem
os ferir,
sem os trazer a esta
espuma negra
onde corpos e corpos se
repetem,
parcimoniosamente, no
meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as
rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
Eugénio Andrade
in “800 anos de poesia portuguesa”
lido por Céu Guedes
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