quinta-feira, 22 de agosto de 2019

MARIA



MARIA

Como é que sabes que não
regressas ao futuro
através da identidade com a terra
e com o passado que a terra te devolve? No teu nome
existem ídolos, lanças, adagas por achar,
coisas que o tempo deu ao tempo e o tempo não tem tempo para dar-te.
Por isso as tuas mãos estão despojadas,
estão cheias de vento, estão prenhes de vento,
são essas mãos o meu poema, isto é,
o teu poema, este em que celebro a liberdade de não ser
mais do que a verdade de um momento, o movimento
de um movimento contínuo, certo e esplêndido.
O nome emerge das estrelas, das areias, das forças do vazio,
depois de ter passado pelo cordão umbilical
da mãe sabedoria. E vê que, da gruta que resplandece,
não recolhes mais que o vento por herança fugidia.
Procura em ti o ouro e a sede dos felinos,
o fogo que irradia desta água e deste peixe
cuja vida pertence à liturgia. Há animais de prata
nas águas que se movem quando escrevo
a palavra labareda que é Maria.
Maria. O teu nome. Só Maria.

Joaquim Pessia
in “Nomes” (Litexa, 2002)
lido por Manuela Caldeira

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