ALEGRIA
De passadas tristezas,
desenganos
amarguras colhidas em
trinta anos,
de velhas ilusões,
de pequenas traições
que achei no meu
caminho...,
de cada injusto mal, de
cada espinho
que me deixou no peito a
nódoa escura
duma nova amargura...
De cada crueldade
que pôs de luto a minha
mocidade...
De cada injusta pena
que um dia envenenou e
ainda envenena
a minha alma que foi
tranquila e forte...
De cada morte
que anda a viver comigo,
a minha vida,
de cada cicatriz,
eu fiz
nem tristeza, nem dor,
nem nostalgia
mas heróica alegria.
Alegria sem causa,
alegria animal
que nenhum mal
pode vencer.
Doido prazer
de respirar!
Volúpia de encontrar
a terra honesta sob os
pés descalços.
Prazer de abandonar os
gestos falsos,
prazer de regressar,
de respirar
honestamente e sem
caprichos,
como as ervas e os
bichos.
Alegria voluptuosa de
trincar
frutos e de cheirar
rosas.
Alegria brutal e primitiva
de estar viva,
feliz ou infeliz
mas bem presa à raiz.
Volúpia de sentir na
minha mão,
a côdea do meu pão.
Volúpia de sentir-me ágil
e forte
e de saber enfim que só a
morte
é triste e sem remédio.
Prazer de renegar e de
destruir
o tédio,
Esse estranho cilício,
e de entregar-me à vida
como a
um
vício.
Alegria!
Alegria!
Volúpia de sentir-me em
cada dia
mais cansada, mais
triste, mais dorida
mas cada vez mais
agarrada à Vida!
Fernanda de Castro
Declamado por Fernanda
Cardoso
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