quinta-feira, 20 de agosto de 2015

MARGARITA NARANJO


MARGARITA NARANJO

Estou morta. Sou de Maria Elena.
Na pampa vivi toda a minha vida.
Demos o sangue para a Companhia
Norte-americana meus pais e meus irmãos.
Sem haver greve, sem nada, nos cercaram.
Era de noite, veio todo o exército,
Iam de casa em casa, acordando a gente,
Levando-a para o campo de concentração.
Eu esperava que não nos levassem.
Meu marido trabalhou tanto para a
Companhia,
E para o presidente, foi o mais trabalhador,
Conseguindo aqui o que pedia, é tão querido,
Ninguém tem nada que dizer dele, combate
Pelos seus ideais, é puro e honrado
Como poucos. Então vieram bater à nossa
porta,
Mandados pelo coronel Urízar,
Agarraram-no meio despido e com violência
Atiram-no para um camião que partiu na
noite,
Para Piságua, para a escuridão. Então
Pareceu-me que não podia respirar mais,
parecia-me
Que a terra me faltava sob os pés,
Pois é tanta a traição, tanta a injustiça,
Que me subiu à garganta algo como um soluço
Que não me deixou viver. Trouxeram-me
 comida
As companheiras e disse-lhes: «Não comerei
até que volte».
Ao terceiro dia falaram ao senhor Urízar,
Que deu grandes gargalhadas, enviaram
Telegramas e telegramas, a que o tirano em
Santiago
Não respondeu. Fui adormecendo e
agonizando,
Sem comer, apertei os dentes para não
receber
Sequer a sopa ou água. Não regressou. Não
regressou,
e pouco a pouco fiquei morta e enterraram-
me:
aqui, no cemitério desta salitreira
havia nessa tarde um vento de areia,
choravam os velhos e as mulheres e cantavam
as canções que cantei com eles tantas vezes.
Se pudesse, teria olhado a ver se estava
António, meu marido, mas não estava, não
estava,
Não o deixaram vir nem à minha morte: agora
aqui estou morta, no cemitério da pampa
Não há mais que solidão ao meu redor, e já
não existo,
Já não existirei sem ele, nunca mais, sem ele.

Pablo Neruda

Lido por Alzira Santos

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