terça-feira, 28 de outubro de 2014

AS FOLHAS



AS FOLHAS

Das folhas, das folhas, eu gosto muito!
Desde o verde mais aberto ao mais amarelecido,
salpicadas de matriz. Mas as minhas preferidas,
são aquelas cobreadas, esbicadas, de delicado contorno
que ficam pelo chão espalhadas depois se serem
roubadas, pelo vento, ao Outono.
Nas suas cores mescladas por sóis e luares
tingidas, entregam-se abandonadas ao chão
e ali ficam perdidas, montes de histórias
contadas de muitas e muitas vidas.

Mas há folhas que não gosto, as de papel,
moribundas que não tendo nada escrito,
lembram rostos esbatidos de solidão
e amargura com vincos de dores profundas.

Há falta de uma mão por perto que lhes dê
sentido e afecto. São como livros onde as palavras
desmaiaram com o tempo e ficaram no recobro,
esperando abandonados que os escrevam de novo.

Encontrei uma folha assim, sem nada! Semi-morta
ou adormecida, não tinha um ponto, uma vírgula,
um rabisco, nem uma letra sequer. Estava ali,
abandonada, cega, surda e calada.

Não resisti à ousadia de com ela me envolver,
dar-lhe alguma identidade, falar-lhes de coisas
minhas que, mesmo sendo comezinhas, talvez a
chamasse à vida
por mera curiosidade.

Detive nela o olhar e afeita à solidão, estendi-lhe a minha mão,
agarrei-a enternecida. Encostei-a ao meu peito, num misto de
amor e pena, prometi-lhe força, vida e preencher cada espaço
com um verso, um afago, um poema e um abraço.

Percorri o alfabeto, trouxe as letras uma a uma para formar
as palavras e depois, fazer os versos.
Juntei memórias e sonhos. Alimentei-a de amor.
Trouxe um rio que passava e com ele um arco-íris para lhe dar
mais brilho e cor. Chamei o sol e a lua e aos jardins fui colher flores
e até uma brisa leve que por perto alegre dançava, ofereceu-me as
borboletas que cansadas, repousavam numa sebe, ali ao pé!

Depois de tudo elaborado duma forma rigorosa,
foi tal a transformação que a folha, inerte e nua
pela tristeza e solidão, de repente, ganhou alma,
forma, vida e expressão. Ergueu-se pelo seu pé,
fitou-me com emoção e numa atitude orgulhosa,
vestiu o poema em prosa!

Escrita de lés a lés, sem mais nada para dizer, tem
agora cor e voz e uma vida a valer!
Eu juro, tem coração! Senti-o quando ao olhar-me, num
gesto de gratidão,
dos versos deste poema, fez tombar pétalas frescas
para perfurar minha mão.

Alice Queiroz

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