AS FOLHAS
Das folhas, das folhas,
eu gosto muito!
Desde o verde mais aberto
ao mais amarelecido,
salpicadas de matriz. Mas
as minhas preferidas,
são aquelas cobreadas,
esbicadas, de delicado contorno
que ficam pelo chão
espalhadas depois se serem
roubadas, pelo vento, ao
Outono.
Nas suas cores mescladas
por sóis e luares
tingidas, entregam-se
abandonadas ao chão
e ali ficam perdidas,
montes de histórias
contadas de muitas e
muitas vidas.
Mas há folhas que não
gosto, as de papel,
moribundas que não tendo
nada escrito,
lembram rostos esbatidos
de solidão
e amargura com vincos de
dores profundas.
Há falta de uma mão por
perto que lhes dê
sentido e afecto. São
como livros onde as palavras
desmaiaram com o tempo e
ficaram no recobro,
esperando abandonados que
os escrevam de novo.
Encontrei uma folha
assim, sem nada! Semi-morta
ou adormecida, não tinha
um ponto, uma vírgula,
um rabisco, nem uma letra
sequer. Estava ali,
abandonada, cega, surda e
calada.
Não resisti à ousadia de
com ela me envolver,
dar-lhe alguma
identidade, falar-lhes de coisas
minhas que, mesmo sendo comezinhas,
talvez a
chamasse à vida
por mera curiosidade.
Detive nela o olhar e
afeita à solidão, estendi-lhe a minha mão,
agarrei-a enternecida.
Encostei-a ao meu peito, num misto de
amor e pena, prometi-lhe
força, vida e preencher cada espaço
com um verso, um afago,
um poema e um abraço.
Percorri o alfabeto,
trouxe as letras uma a uma para formar
as palavras e depois,
fazer os versos.
Juntei memórias e sonhos.
Alimentei-a de amor.
Trouxe um rio que passava
e com ele um arco-íris para lhe dar
mais brilho e cor. Chamei
o sol e a lua e aos jardins fui colher flores
e até uma brisa leve que
por perto alegre dançava, ofereceu-me as
borboletas que cansadas,
repousavam numa sebe, ali ao pé!
Depois de tudo elaborado
duma forma rigorosa,
foi tal a transformação
que a folha, inerte e nua
pela tristeza e solidão,
de repente, ganhou alma,
forma, vida e expressão.
Ergueu-se pelo seu pé,
fitou-me com emoção e
numa atitude orgulhosa,
vestiu o poema em prosa!
Escrita de lés a lés, sem
mais nada para dizer, tem
agora cor e voz e uma
vida a valer!
Eu juro, tem coração!
Senti-o quando ao olhar-me, num
gesto de gratidão,
dos versos deste poema,
fez tombar pétalas frescas
para perfurar minha mão.
Alice Queiroz
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