HÁ-DE
FLUTUAR UMA cidade no crepúsculo da vida
pensava
eu... como seriam felizes as mulheres
à
beira-mar debruçadas para a luz caiada
remendando
o pano das velas espiando o mar
e
a longitude do amor embarcado
por
vezes
uma
gaivota pousava nas águas
outras
era o sol que cegava
e
um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os
dias lentíssimos... sem ninguém
e
nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei
sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me
a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim
envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se
espantasse com a minha solidão
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me
uma pérola no coração.
mas
estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
um
dia houve
que
nunca mais avistei cidades crespusculares
e
os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me
de novo para o pano deste século
recomeço
a bordar ou a dormir
tanto
faz
sempre
tive dúvidas de que alguma vez me visite a felicidade
AL BERTO (1948-1997)
In Vigílias
selecção e prólogo de
José Agostinho Baptista
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