ASSIM OU ... NEM TANTO. 152
A ARTE
Riscou no chão a palavra. Soprou o excesso de terra e pediu
a todos que a lessem. Alguns, do lado oposto da roda, sentiram que o escrito
não se lia, não dizia, falava aleatoriamente de um conceito vago que, nos que
ousaram falar, estava baralhado. Ao lado, apurados os olhos, excluídas as
crostas da terra que secava, ficavam letras alongadas, tão torcidas que mal se
viam, tão determinadas que toda a suavidade que houvesse se perdia no arabesco,
no traço que feriu a terra, cortando em ziguezague as letras principais. Todos,
no entanto, liam perfeita, de patas para o ar ou de lado, a palavra. Arte é o
que fica para resolver ou se resolve numa ideia, disse o que ensinava partindo
entre os dedos nodosos o pauzinho que usara para escrever. A Arte, que todos
bem conhecem e sabem de cor, é uma ideia tão clara, tão firme, tão leve, tão
especial que desaparece na definição de quem a tenta segurar. A palavra que
escrevi é só isso, uma palavra de tanto sentido e força que fica como mistério
preso nas quatro letras que, em português, a amarram onde quer que se escrevam
sem perceber que o que prendem ao conceito se liberta para ser, indizível, o
lado mágico das coisas. A arte, acrescentou o mestre, esteve no meu espírito,
no vosso, no jeito de andar só com um pé, aos saltinhos por onde pesada,
esmagadora e tirana se não deixou definir. Assim é a vida que, à vez, nos
prende e liberta, nos arrasta e faz levitar. Alguns de nós viram a palavra
vestida de terra, riscada para estar, ser e significar mas nenhum consegue
segurar a sua nudez lisa, imponderável como se fosse em si mesma a pele do
tempo.
Edgardo Xavier.
Sintra, Setembro de
2018
Lido por Manuela
Caldeira
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