sexta-feira, 22 de junho de 2018

O ENFEITE POSSÍVEL


O ENFEITE POSSÍVEL

Uma vez em cada mês, compete-me enfeitar a campa, onde jazem os meus progenitores e naquele dia aconteceu ali mesmo, chegar ao meu espírito a ideia de fazer poesia; mas que lugar tão estranho para se enfeitar o dia; um silêncio enorme e eu com uma fome, devoradora; jazia ali uma senhora que está na razão do meu ser e envolvido de muita luz, tive ali mesmo, encostadinho à minha face, a linda imagem de Jesus. Acariciei-o, dei-lhe um beijo e enfeitei-o com uma flor, porque ali mesmo, estava todo o fruto do meu amor. Ai se eu pudesse remover aquela pedra pesada, não me importaria mesmo nada de os voltar a ter, porque foi com o suor amargo do trabalho com a enxada, motivo pela qual a terra está a comer.
Contudo há um outro pormenor, talvez o mais importante, o enfeite que fui fazer, as flores tinham-me sido oferecidas e elas não aquecem vidas, mas sabem mimar, escolhi as melhores e de cada flor que coloquei, procurei o verdadeiro lugar; nada deveria ficar ao acaso e relacionei-o com as palavras do poeta, ou escritor que por influência do amor, tem de as colocar, no lugar certo, as palavras algures no deserto que me levam até ao interior do mar e dei comigo a falar: Lembras-te querida mãe, destas estremélias que naqueles dias do teu sofrimento, vivias um tormento e não repararam as tuas misérias? Tu tinhas muita razão, quando me afirmaste que o mal estava prestes a matar e eu com o coração partido, lembrava-te de um amigo que te podia sarar. Por vezes, amaciei os teus cabelos, branquinhos e cobri-os com mimos e palavras animadoras e ia-te dizendo que Deus tem umas mãos protectoras. Lembras-te mãe, quando vinham as enfermeiras fazer-te o curativo? eu não podia ficar contigo e esperava lá fora, via através do portão aberto, escancarado, 5 andorinhas que passavam por aquele lado. Por coincidência, ou não, os cinco filhos que tiveste e os primeiros dois, voaram também para Deus e o desgosto mãe, ai o desgosto. Porém, Ele reservou para ti, outro mistério; porque os mistérios de Deus, são insondáveis; mas que agora passo a escrever. Com efeito, no dia 22 de Maio, foste mãe pela primeira vez. No mesmo dia, de 1969, foste avó pela primeira vez e ainda no mesmo dia de 2007, foste habitar este campo santo, onde agora te mimo de uma outra maneira e fico aguardando, outra nova sementeira que sem o trabalho da enxada, para Deus não vai custar nada e voarei aqui para a tua beira. Até lá beijinhos de saudades.

João Bernardo
09-06-2018

Sem comentários:

Enviar um comentário