quarta-feira, 2 de maio de 2018

PARAGEM



PARAGEM

Nas auto-estradas do sul, à noite, quando se pára
nas áreas de serviço quase desertas, as empregadas
olham-nos de trás do balcão com o tédio de quem já
não espera que lhes peçam alguma coisa. Mas eu olho
para os restos que se estendem ao longo da prateleira,
atraindo as moscas e o pó. E pergunto-lhes o que
aconselham, fazendo com que elas se riam, como
se não estivessem ali para servir os clientes. "O pão
é de ontem", diz a que está na caixa. "Não aconselho
o lombo, nem o presunto", diz a que segura as chávenas
de café, saídas de uma água escura onde as acaba
de lavar. E pergunto então o que têm que se
possa comer. Olham uma para a outra, e perguntam-me
porque não paro mais à frente. Mas peco-lhes que
me dêem qualquer coisa que não irei comer, apenas
para as ver olharem uma para a outra, sem saberem
o que fazer, enquanto eu, sozinho no balcão da área
de serviço, me alimento da sua solidão.

Nuno Judice
in “Relâmpago”
lido por Amândio Vasconcelos

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