LITANIA
HERÓICA
Entrem,
entrem os ventos, os chuveiros, as estrelas,
No
palácio inabitado
Sem
telhado, sem-vidraças nas janelas...
Que
os vidros se me estalaram,
O
telhado me voou,
E,
pelas, mil caminhos que ante mim se desdobraram,
Os
meus passos me levaram,
E
eu lá vou (nem sei se vou…)!
Sem
preferir, sem definir, sem restringir, avanço
De
renúncia em renúncia, luta em luta.
Não
sou para ter descanso,
Não
para ser redimido...
Também
não sou para vencer ou ser vencido.
Lutei,
e luto, e lutarei...
Do
Nenhum-Reino é que sou rei!
Também
não sou para dormir nas estalagens.
Venho
de trás, vou para a frente...
Como
bastar-me o presente?
Lucidamente
delirante, o meu olhar é um rastro ardente
Incendiando
todas as paisagens...
Por
tudo isto sou profundamente só,
E
me debato na ansiedade,
E
nada sei ver só dum lado,
Porque,
pairando em tudo corno a luz ou corno o pó,
Transbordo
de humanidade,
Vivo
desumanizado...
Vivo
na heróica Tortura,
E
viva a magna Aventura!
Minha
Grandeza é sem cura...,
Renego
a felicidade.
Entrem,
entrem, os ventos, os chuveiros, as estrelas,
No
palácio inabitado
Sem
telhado, sem vidraças nas janelas...
Entrem
as aves nocturnas,
Os
animais sem dono, as feras brutas,
Os
fantasmas peregrinos,
E
os lunáticos, os párias, os ladrões, os assassinos,
Que
têm olhos como furnas,
Bocas
mudas como grutas...
Tudo
em que mais vasto for,
(Sei-o!
bem no sei, Senhor!)
Pagá-lo-ei
demasiado caro.
Faça-se,
pois, em mim toda a vossa Vontade,
Emudeça
em meu lábio o vão reparo...
Em
mim se cumpra a vossa Imensidade!
...
E a vida me persiga
Com
as misérias mais subtis e menos gloriosas,
As
decepções mais insólitas,
Humilhações
mais recônditas
E
raras,
Para
que enfim se extinga em mim a veleidade
De
também ir atrás de nem sei que felicidade...
Entrem,
entrem os ventos, os chuveiros, as estrelas,
No
palácio inabitado
Sem
telhado, sem vidraças nas janelas...
E
de misérias, decepções, humilhações,
E
apelos de velhos vícios,
E
virtudes ignoradas,
Farei
látegos! cilícios
Para
me modelar às chicotadas!
Assim
não pare, nem descanse,
Seja
em que lar ou seja em que deserto.
Sem
preferir nada a nada,
Fugindo
sempre da estrada,
De
contínuo avance!
Avance,
sempre mais longe e mais perto...
Porque
não é em mim que me sonhei viver!
Meu
ser-eu só me aperta, e só sonho esmagá-lo.
Livre,
sou tudo que é, foi, há-de ser,
Vivo
em tudo que vive, há-de viver, viveu...
E
então, quando eu disser: «eu...»,
Já
direi: «Não! não é de mim que falo!»
Entrem,
entrem os ventos, os chuveiros, as estrelas,
No
palácio inabitado
Sem
telhado, sem vidraças nas janelas...
José
Régio
in
“Poemas de Deus e do Diabo”
Lido por Rosário Lemos
Sem comentários:
Enviar um comentário