ROMANCE
Ora
pois: foi tal e qual como vos digo:
Minha
Mãe, certo dia, pôs a questão assim:
-ou
Ela, ou eu!
E
ficou resolvido que no dia doze
Minha
Mãe parisse,
E
pariu!
Pariu
e ninguém se opôs! Ninguém!
Como
se fosse um feito glorioso
Parir
assim alguém, tão nu, tão desgraçado!
Por
mim,
Ainda
disse que não.
Mas
o seu Anjo da Guarda
Era
forte e tenebroso…
E
aquele frágil cordão
Deixou
de ser o meu Pão,
O
meu Vinho
E
a paz eterna do meu coração
Mesquinho.
Deixou
de ser o silêncio
Delicado
e agradecido
Dos
meus instintos menores…
Deixou
de ser o Norte daquele lago
Onde
boiava o meu corpo
Sem
alegria e sem dores.
Deixou
de ser aquela verdadeira
E
sagrada ignorância do meu nome,
Que
Satanás me disse, quando disse:
-
Respira e come,
Respira
e come,
Animal!
(A
voz de Satanás já nesse tempo
Era
humana e natural…)
Deixou
de ser um mundo e foi um outro.
Foi
a inocência perdida
E
a minha voz acordada…
Foi
a fome, a peste e a guerra.
Foi
a terra
Sem
mais nada.
Depois,
Sem
dó nem piedade a vida começou…
Minha
Mãe, a tremer, analisou-me o sexo
E,
ao ver que eu era homem,
Corou…
Miguel Torga
Lido por Maria Helena
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