quarta-feira, 29 de março de 2017

POEMA A PINTORA SARA UVA


POEMA A PINTORA SARA UVA

Acontece arte quando os teus dedos feitos espátulas
Castigam a tela e as tuas cores feitas de lágrimas
Sangue terra suor e mijo como fazia Séraphine de Senlis
Tu tens o mistério da tua grandeza
Deus ou os Deuses te guiam
E eu que sou terra fico aprisionada
Nas tuas telas e... então sou Gaia
Os teus azuis podem ser celestiais ou tenebrosos
Os teus amarelos efémeros quentes ou gritos
Os teus vermelhos de Tiziano feitos camada a camada
Serão fogo sangue ou esperança
O cavalgar dos teus gestos em turbilhão
E eu... olho-te e és Júlio Pomar nos gestos fragmentados
E quando te deixas levar por uma prece o teu céu é negro
E cinza e rosa nos extremos e és Anjo
És um ser alado preso numa fonte qualquer
Tu és a Ma Femme Bicho de Arpad Szenes
És barco com as velas enfunadas
E não sendo parecido
penso na Chalupa de Amadeo Souza-Cardoso
E não sendo parecido
Penso nos mares de William Turner
És fruto és maçã camoesa és peixe azul com pintas
És pássaro levado pelo vento Suão
És água cristalina és flor és dor és um tango adormecido
A tua cor tem o calor do café quente que eu bebo
O espírito da natureza está na tua cor bela e selvagem
E no momento supremo és Homem na Mulher que és
O Mundo pode caber todo nesse corpo tão frágil

Aurora Gaia

in “Antologia de poetas lusófonos VI”

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