quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

MATER DOLOROSA



MATER DOLOROSA
A meus Pais

A mãe do Poeta chora.
E a sua canção inquieta
Parece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta...

«Na praia, em pequeno, um dia
Meteu-se à onda bravia,
Que à flor da espuma trazia,
Um peixe, cor de luar...
Mas a onda fez-se mansa,
Teve dó dessa criança
Cujo crime era sonhar...

Duma vez à sua porta
Vieram cantar os Reis.
- Ai! a de branco! a de branco!
Fulvo cabelo, aos anéis...
Flor, entre os dedos, singela...
E ele então, logo perdido,
Foi pela rua, atrás dela,
No rastro do seu vestido...

Aos vinte anos, cismador.
Esqueceu que havia as Sortes,
Magrinho, falho de cor...
Por isso os mais, que eram fortes!)
(Os que tinham ido às sortes!)
Lhe chamavam desertor.

Em tardes de romaria
Todo o mundo o viu bailar!
Quando o seu corpo bulia
Subiam torres no ar...
Por fim, calava-se a dança.
E ele, de novo, sozinho,
Era, de novo, a criança,
Que a onda brava, depois mansa
Recolhera no caminho...

Formou-se em Doutor de Leis.
Que pode a idade e os estudos?
Seus olhos ficaram mudos
A letra ficou nas leis.
Seus olhos só viam dança...

- Ainda era a mesma criança
Que ouvira cantar os Reis!»

E a mãe do Poeta chora.
Com sua canção inquieta,
Parece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta...

Pedro Homem de Melo

Lido por Fernanda Oliveira

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