terça-feira, 27 de setembro de 2016

SAFRA DE SAFIRAS


SAFRA DE SAFIRAS

A idade, é certo, removeu de mim
alguns itens — mas em troca deu-me
um pouco mais de argúcia.

Por exemplo, ensinou-me
como aceitar a escassez;
qualquer migalha que possa recolher
no bornal de mendigo é agora bem-vinda,

Ainda esta manhã. Apetecia-me
um desses grandes sóis torrenciais
que põem a terra em chamas
— mas era nuvens o que havia no céu.

Não me lamentei, não me arrepelei,
não rasguei as vestes e não lacerei
as carnes quase nuas nos picos das silveiras.

Porque de quando em quando fazia-se um rasgão
nas nuvens franjadas de ouro
por onde assomava um retalho de azul.

E com esse azul intermitente fiz
uma boa safra de safiras,
pensando: que diabo,
o sol torrencial pode esperar.

A.M.Pires Cabral
in Gaveta do Fundo

lido por Maria Afonso Morais

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