POESIA
Os meus poemas
Servem de distracção
Enquanto penso neles
Não estou na solidão
Eu sou poeta desde que
nasci
Mas ninguém se tinha
apercebido
Só há pouco comecei a
escrever
Tudo o que cá tinha
metido
No tempo em que eu me
criava
E na escola andava
Ao ler os poetas eu dizia
Assim também eu queria
ser poeta
Nem que fosse só por um
dia
Não é fácil ser poeta
Isto já vem de raiz
Muita gente fala fala
E não sabe o que diz
Um poeta tem de estar só
Não pode ser interrompido
Muitas vezes precisa de
escrever
E não pode estar
distraído
Para ser um bom poeta
Tem de ser uma pessoa bem
informada
Ter cultura geral
E estar muito indignada
O poeta e o tecelão
Têm algo em comum
Cada um tem a sua ideia
Um gosta de urdir a sua
teia
E o outro gosta de
escrever
O que lhe vai na ideia
O poeta tem dificuldade
em adormecer
Muito trabalho na cabeça
Para decorar e escrever
Começaram a dizer-me
Que os poetas ficam para
a história
Pois eu gostava de ficar
Para ser relembrada pelas
pessoas
Quando já cá não andar
Um poeta nunca está só
Anda sempre acompanhado
Seja de noite ou de dia
Ele está sempre ocupado
Em casa de poeta
Já não há só poesia
Há também alguns
fenómenos
Com muita fantasia
Um poeta consegue
Levar a água ao seu
moinho
Mas parte das vezes as
coisas
Não batem certas
E têm de ficar pelo
caminho
O poeta tem uma chave
secreta
E não deve prometer nada
a ninguém
Os poemas não saem quando
queremos
Mas quando lhes convém
O poeta tem uma arma
E não precisa de dar ao
gatilho
Para se poder defender
Quando está incomodado
Pega na caneta e põe-se a
escrever
Um poeta não precisa de
ver muito
Para saber tudo
O que importa é estar
atento
Ao seu pensamento
E logo receberá a
resposta
O poeta quer
A obra nasce
Mas que grande ilusão
O poeta não consegue
Se não tiver alguma
inspiração
O poeta gosta do
desconhecido
Daquilo que nada lhe diz
Gosta de ver tudo à
distância
Para se sentir mais feliz
Durante a minha vida
Consegui encobrir toda a
minha sabedoria
Agora depois de velha
Não queria morrer sem
mostrar
Aquilo que eu sabia
Eu surpreendi muita gente
Com a minha sabedoria
Consegui escrever os meus
livros
Que era o que eu mais
queria
Os meus poemas são como
um diário
Só os devem ler com a
minha autorização
Eles revelam as alegrias
e as tristezas
Que me vão no coração
Os meus poemas foram
feitos
Debaixo de uma grande
tensão nervosa
Depois de os fazer
Fiquei mais aliviada e
mais famosa
Eu fui meter-me na boca
do lobo
Sem saber para onde ia
Fui ver um espectáculo
tão interessante
Que se tratava de poesia
O poeta não deve estar
parado
Precisa de ver coisas
novas
Para ficar inspirado
O poeta gosta do silêncio
Não quer ser incomodado
Prefere ouvir o chilrear
dos passarinhos
Que pousam no seu telhado
Quando é que eu vou
fechar a porta
Com uma fechadura tão
velha
Por bem voltas que dê à
chave
Nunca mais acerto nela
Nunca me vi rodeada de
tantas estrelas
Brilhavam como diamantes
Só parece que estava a
caminho do céu
Acompanhada de anjos
muito distantes
Mafalda Lopes
in “O Último Grito”
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