sábado, 6 de agosto de 2016

NO TEMPO DAS CEREJAS


NO TEMPO DAS CEREJAS

Regressei a ti no tempo das cerejas.
Mas não havia cerejas:
as cerdeiras floriram cedo demais
e caíram as flores
como a vida bela e efémera dos samurais.
Sabes, amor, no Japão,
vive-se a festa da floração
com que se fecha a porta ao inverno.
E todos se rendem ao encanto
das Sakuras* cor de rosa
comovendo parques e jardins
para morrerem pouco depois...
Tão frágeis como a vida
tão frágeis como os amores
tão frágeis como nós dois!
Também tu
não estavas lá quando te procurei.
Seria um tempo de maturação
no inverno da nossa melancolia...
Afinal, já não conseguia beijar o teu corpo
redondo e sumarento como as cerejas
como tantas vezes fizera!
E eu queria a seiva, a cor, o suco dos primeiros tempos!
Mas alguém, na minha ausência,
te colheu
e perdeste a inocência
do retrato
com teus brincos escarlate
com que emolduras ainda o meu pensamento.
Olhas para mim
e aos veres-me assim tão perdido
dizes-me com ar já atrevido
que o tempo já não é o que era!
E aqui, ou no Japão,
talvez haja cerejas muito antes da primavera...

*flor da cerejeira
Junho 2013

Ana Margarida Borges
in “Já Não Moro Aqui”

lido por Manuela Caldeira

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