NO SORRISO LOUCO DAS MÃES
No sorriso louco das mães
batem as leves
gotas de chuva. Nas
amadas
caras loucas batem e
batem
os dedos amarelos das
candeias.
Que balouçam. Que são
puras.
Gotas e candeias puras. E
as mães
aproximam-se soprando os
dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos
filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães
intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali
num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens,
alimentando as imagens
enquanto o amor é cada
vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o
amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez
mais belas.
Pensam os filhos que elas
levitam.
Flores violentas batem
nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e
em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio
das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No
contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas
coisas
que os filhos criam,
porque se colocam
na combustão dos filhos,
porque
os filhos estão como
invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de
petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através
deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em
escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como
polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a
sua vida.
E o filho senta-se com a
sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe
aqui e ali,
nas chávenas e nos
garfos.
E através da mãe o filho
pensa
que nenhuma morte é
possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que
toca a cara louca
da mãe que toca a mão
pressentida do filho.
E por dentro do amor, até
somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser
reencontrado por dentro do amor.
Herberto Helder
in 'Excerto do poema «Fonte»
publicado em A Colher
na Boca, 1961
lido por Dionísio Dinis
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