PÁSCOA NA MINHA ALDEIA
(Recarei, anos 60)
O tempo estava sempre bom,
é assim que me lembro e me vem a ideia:
o sol da primavera, as ruas engalanadas
e as gentes da aldeia
vestindo pano novo em dia de procissão
que era na sexta,
porque no dia,
domingo de páscoa, havia
compasso e mesa cheia
de comida de rico e ovos tingidos;
Era uma alegria!
Os miúdos como eu, nesse dia
botavam sapato novo,
não havia pé descalço,
não fosse haver percalço
e lá se ia a festa em dia de aleluia.
No sábado,
de giga na mão
íamos as bordas do ribeiro
buscar heras e fetos verdes
e depois do encalço,
cobrir as ruas
onde o compasso passa de pé ligeiro.
Era uma brincadeira nesse dia
e no dia seguinte,
dia de aleluia,
o meu sorriso crescia,
ao ver o sol pela manhã
e o cortejo colorido
percorrendo os caminhos da aldeia;
Na frente,
o senhor da
campainha
dlim, dlim, dlim,
sempre em passo apressado
seguia-se o juiz
da cruz,
risonho e suado.
O senhor abade ia a seu lado
e dizia a ladainha quando entrava na sala do
visitado
e também sorria ao ver o envelope... inchado,
que o senhor da saca recolhia... encantado!
Os ricos botavam foguetes à chegada do compasso
e os pobres sabiam se estava longe ou perto.
- Ouves? Está
na casa do brasileiro Roberto,
não
te afastes, mariola, fica por perto,
enquanto
preparo os ovos tingidos.
ordenava a tia Micas para o seu matreiro marido.
- Está bem,
refilona, só vou ali ao tasco do Maneta
matar
o bicho! dizia o
tijaquim... esperto,
e só vinha... quando ouvia tlintar!
Eu esperava ajoelhado de calção curto com
suspensórios,
muito concentrado,
de mãos em prece,
nem olhava para o lado
e quando o tlintar ouvia,
o meu coração batia
e todo eu tremia por cristo beijar!
De olhos fixos na porta aberta e olhar fascinado,
via Cristo entrar e sentia nele o desejo de me
abraçar!
- Então,
rapaz, como vai a escola?
perguntava o senhor Prior,
pergunta de circunstância depois da ladainha
tratava-se duma redundância,
pois sabia que ia bem.
A minha mãe metia na sacola o envelope,
que não tinha farto volume.
- Fiquem na
Paz do Senhor,
dizia o senhor Prior,
e aspergia com abundância a água benta,
conforme uso e costume.
- Fiquem na
paz do Senhor!
repetia o senhor Prior
- E convosco
também!
respondíamos.
Angelino Silva
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