quinta-feira, 24 de março de 2016

PÁSCOA NA MINHA ALDEIA


PÁSCOA NA MINHA ALDEIA
(Recarei, anos 60)

O tempo estava sempre bom,
é assim que me lembro e me vem a ideia:
o sol da primavera, as ruas engalanadas
e as gentes da aldeia
vestindo pano novo em dia de procissão
que era na sexta,
porque no dia,
domingo de páscoa, havia
compasso e mesa cheia
de comida de rico e ovos tingidos;

Era uma alegria!

Os miúdos como eu, nesse dia
botavam sapato novo,
não havia pé descalço,
não fosse haver percalço
e lá se ia a festa em dia de aleluia.

No sábado,
de giga na mão
íamos as bordas do ribeiro
buscar heras e fetos verdes
e depois do encalço,
cobrir as ruas
onde o compasso passa de pé ligeiro.
Era uma brincadeira nesse dia
e no dia seguinte,
dia de aleluia,
o meu sorriso crescia,
ao ver o sol pela manhã
e o cortejo colorido
percorrendo os caminhos da aldeia;

Na frente,
o senhor da campainha
dlim, dlim, dlim,
sempre em passo apressado
seguia-se o juiz da cruz,
risonho e suado.
O senhor abade ia a seu lado
e dizia a ladainha quando entrava na sala do visitado
e também sorria ao ver o envelope... inchado,
que o senhor da saca recolhia... encantado!

Os ricos botavam foguetes à chegada do compasso
e os pobres sabiam se estava longe ou perto.
- Ouves? Está na casa do brasileiro Roberto,
não te afastes, mariola, fica por perto,
enquanto preparo os ovos tingidos.
ordenava a tia Micas para o seu matreiro marido.
- Está bem, refilona, só vou ali ao tasco do Maneta
matar o bicho! dizia o tijaquim... esperto,
e só vinha... quando ouvia tlintar!

Eu esperava ajoelhado de calção curto com suspensórios,
muito concentrado,
de mãos em prece,
nem olhava para o lado
e quando o tlintar ouvia,
o meu coração batia
e todo eu tremia por cristo beijar!

De olhos fixos na porta aberta e olhar fascinado,
via Cristo entrar e sentia nele o desejo de me abraçar!

- Então, rapaz, como vai a escola?
perguntava o senhor Prior,
pergunta de circunstância depois da ladainha
tratava-se duma redundância,
pois sabia que ia bem.
A minha mãe metia na sacola o envelope,
que não tinha farto volume.

- Fiquem na Paz do Senhor,
dizia o senhor Prior,
e aspergia com abundância a água benta,
conforme uso e costume.

- Fiquem na paz do Senhor!
repetia o senhor Prior

- E convosco também!
respondíamos.


Angelino Silva

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