quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

SORRISOS SEM NICOTINA


SORRISOS SEM NICOTINA

I
Observava uma garina a fumar charuto 
entre bafos de fumo, dentes sem nicotina,
e virada para um rapazola disse - ó puto
equívoco teu não sou gaja de esquina...
...e atirando a mala para trás das costas
desandou com mexer de ancas, e sedutora
jogou fora a pirisca dando-me mostras
morar naquele corpo uma "Senhora"
- Sorri ao cruzar-me com o imberbe gaivão
tinha acre na testa, quiçá dentes de leite
nos olhos ramela; - faltava o biberão
mas possuía piercing a completar o enfeite
- Volvido apenas l hora, no bar do Faísca
dei de chofre com a estranha fumadora
folheando qual inebriada, uma revista,
e na mesa o livro duma famosa escritora.
- Trocado breves olhares sem compromisso
fez comedido sinal para que me sentasse
pois 'sala estava cheia, quase num reboliço;
_e não era convite que se desprezasse...

[- Obrigado por tanta e corajosa amabilidade
e... poderei saber qual a sua divina graça!
- Chamo-me Alísia de outra e distante cidade
atirada para aqui para conhecer a desgraça
(Percebi-lhe ao falar certo timbre magoado,
olhar de firmeza mas deveras emudecido)
- Já agora sem abusar vem de que lado?
- Sul do país e o senhor onde há nascido...
- Ainda mais lá abaixo depois do Equador
terra amulatada que se fez por si negra…
… sou o que se diz uma espécie de migrador
e a menina - aparenta perfil de grega
- Ás vezes sinto-me tal mas sou portuguesa
 professora sem colocação do ensino oficial
estava a leccionar numa escola em Aveleda
e imagine.. .deslocada de Alcácer do Sal
contabilizo 18 anos de continuado serviço
sem parar de colocação em deslocação
umas vezes sim (ria-se) outras nem por isso
vendo-me agora trabalhadora de ocasião]

Atalhada profícua e interessante conversa
(por um dos empregados do turno da tarde
com focinheira de um velho gato Persa,
melhor, um defraudado autóctone de Marte)
por gentileza, ofereci à moçoila um Chá
demandando para mim um café sem borra
- Levantou-se esclarecendo que vinha já,
e já de costas pensei, nova de mais porra...
- Foi correndo o dia, amena cavaqueira,
sem lamentos uma ou outra piada,
mais chá, havendo preferia-se de cidreira
bolo de cenoura, servindo contudo de nata

[- Foi um prazer será que voltarei a vê-lo?
- Talvez quem sabe se lá para o Natal
à saída duma escola secundária no Restelo
- Espero não ser numa fila da S. Social]

II
Decorrido meses assobiou-me um passante;
_ denotavam as roupas outrora dignidade
agora rotas, sapatos sem tacões, bem falante
e confessou, 5 cursos técnicos, já meia idade
cabeleira com falhas, resultado do stress,
barba de três dias do tipo moderníssimo galã
em dia de domingo, vindo da catequese,
dando perdida mais uma solarenga manhã.
- Debaixo do braço denso romance de ficção;
_ não distingui se era o Senhor dos Anéis,
a Verdadeira História do Rei Salomão
ou a mais recente publicação sobre pastéis,
e abordou-me com, «senhor tem um cigarro»
- Não fumo mas compro-lhos avulso...
- Grato faço anos e anos que me desfiz do carro
vendido ao desbarato para pagar um curso
- Deve ter sido há muito pela sua aparência!
- Amigo foi para a formatura da minha enteada
que as minhas custaram-me a paciência
e sem negar também alguma atenção cuidada
- Que fazia antes tocava rebeca violino
ou porventura dono de uma micro empresa?
- Mais a primeira sabe andava no ensino
mas não pense porém que era uma beleza
pois às vezes aparecia um dos filhos da curta
entendido em sinfonias de Mozart e... zás
... lá o bom do maestro levava com a batuta
de cima abaixo pela frente e outras por trás
- Pedagogo conjecturo e do ensino público
ou então funcionário um técnico auxiliar
podendo agradecer a um indivíduo estúpido
despedimento com processo disciplinar!
- Acrescido à desgraça que a minha enteada
também anda entre livros aos tropeções
depois d'anos e anos a trabalhar para nada
acontecendo-lhe (algum dia) como a Camões
- Infeliz destino deve ser o de professora...
- Pobre Alísia e eu sem que a possa socorrer
mas talvez protegida por Nossa Senhora
emigre um dia de vez para um país a valer!

Ofereci-lhe um maço de cigarros e um isqueiro
tendo de insistir, e que não levasse a mal,
por não precisar (na conjuntura) do dinheiro.
- Inquiri à despedida s'era de Alcácer do Sal...

Estirado hoje sobre a coberta de minha cama,
relendo sem fatalidade o que tinha escrito
reparei quão supérfluo afinal foi meu drama,
gasto o amor com quem dele era imerecido

Cito Loio
6-8/10/2015

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