quarta-feira, 21 de outubro de 2015

PORTUGAL


PORTUGAL

Portugal
Eu quero falar contigo.
Não faças esses olhos de quem vê um lobisomem.
Achas esquisito que eu queira falar contigo?
É que eu tenho coisas muito importantes para te dizer
E só agora arranjei a coragem suficiente.
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse
oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Às vezes, quase chego a acreditar que é tudo mentira
que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Alvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Tu não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas
Portugal
Eu se tivesse dinheiro, comprava um Império e dava-to.
Juro que era capaz de fazer isso só para te fazer sorrir
Portugal
Eu vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Eu estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem um coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade.
Portugal, estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete Salazar estava no poder nada de
ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra, nada de ressentimentos,
Tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre nada de ressentimentos.
Portugal
Eu ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fôssemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

lido por Carlos Revez
Jorge Sousa Braga

(na versão declamada por Mário Vergas)

Sem comentários:

Enviar um comentário