quarta-feira, 21 de outubro de 2015

I

I
Sinto-me hoje incapaz de fazer mal...
Daria a um inimigo o pão e o sal.
Tenho fome de amor e de bondade.
Sabem-me bem os gestos de piedade.
Quisera repartir o que me sobra
e sinto que a minha alma se desdobra,
sinto-a mais vasta, mais universal.
Era-me hoje impossível fazer mal…
Maravilhada, eu sinto Deus comigo…
Olho em torno de mim e não consigo
ver a miséria humana, a dor, a lama,
porque trago no olhar aquela chama
que doira tudo quanto é feio e sujo.
Olho, sem ver, à minha volta e fujo
de tudo o que é sombrio e sem perdão.
Abro de par em par o coração
e deixo entrar o sol... Respiro fundo…
Quisera suprimir a dor do mundo,
a doida inquietação que nos consome...
Quisera ser o pão que mata a fome,
o sonho que adormece a pior mágoa,
quisera ser, para o sedento, a água,
e, para o poeta, o verso genial…
Sinto-me hoje incapaz de fazer mal...
-Quisera perdoar, fazer as pazes...
……………………………………...
... e tudo, meu amor, porque há lilases…

in “Trinta e Nove poemas de Fernanda de Castro”

Lido por Maria Antónia Ribeiro

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