I
Sinto-me hoje incapaz de
fazer mal...
Daria a um inimigo o pão
e o sal.
Tenho fome de amor e de
bondade.
Sabem-me bem os gestos de
piedade.
Quisera repartir o que me
sobra
e sinto que a minha alma
se desdobra,
sinto-a mais vasta, mais
universal.
Era-me hoje impossível
fazer mal…
Maravilhada, eu sinto
Deus comigo…
Olho em torno de mim e
não consigo
ver a miséria humana, a
dor, a lama,
porque trago no olhar
aquela chama
que doira tudo quanto é
feio e sujo.
Olho, sem ver, à minha
volta e fujo
de tudo o que é sombrio e
sem perdão.
Abro de par em par o
coração
e deixo entrar o sol...
Respiro fundo…
Quisera suprimir a dor do
mundo,
a doida inquietação que
nos consome...
Quisera ser o pão que
mata a fome,
o sonho que adormece a
pior mágoa,
quisera ser, para o
sedento, a água,
e, para o poeta, o verso
genial…
Sinto-me hoje incapaz de
fazer mal...
-Quisera perdoar, fazer
as pazes...
……………………………………...
... e tudo, meu amor,
porque há lilases…
in “Trinta e Nove poemas de Fernanda de Castro”
Lido por Maria Antónia
Ribeiro
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