QUEM DISSE QUE UM HOMEM NÃO CHORA?
Chora, sim senhor!
E o poeta chora duas vezes de cada vez.
Uma, pelo homem que carrega na sombra da alma
e outra por si próprio. imagem desfocada desse
outro.
Quem disse que um homem não chora,
decerto nunca sentiu na espinal-medula o aço frio
de uma desilusão de amor, de um sonho desfeito.
E como explicar-lhe
os dias nascidos sem eco, tão fracos e rentes ao
choro?
E que lhe dizer
das mãos trémulas e prenhe de carícias sem destino,
da amargura aos murros no estômago das horas nuas e
vazias?
Um homem não chora....?
Uma ova!
E quando a hidra da noite chega com o seu negro
manto
feito dum silêncio espesso, opaco e irrespirável?
E as madrugadas sem brilho, amarrotadas
pelas quais o poeta navega sem uma rima que o
justifique?
E quando um homem perde a visibilidade do futuro
por entre sonhos aturdidos pela fria calosidade do
real
e desesperado pretende estrelar de estilhaços o céu
da boca?
Um homem não chora...
Chora! E da forma mais cruel, porque muitas vezes
chora arrependido de si próprio.
Porque um homem chora, aqui me tens
na forma mais frágil que um homem se pode
apresentar;
apaixonado e desiludido.
Apaixonado
porque incapaz de controlar
a maré e o barco que lhe navega no peito
pela rota perdida duma justificada fome antiga.
(Há sempre uma sereia a cantar para dentro de nós)
Desiludido
por pressentir já a língua branca e espumosa do mar
a lhe desfazer os castelos de areia, grão a grão
construídos
por mãos ávidas de sonhos e cumplicidades.
(Há sempre um sonho por cumprir dentro de nós)
E ainda há quem diga
que um homem não chora.
Miguel Afonso Andersen
in "Circum-Navegaçoes"
lido por Irene Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário