PELA AUSÊNCIA DE AÇÚCAR
O passado é passado. Não respira,
não tem pulmão que o faça respirar
(ou então: os alvéolos doentes
murchando devagar).
Não ressuscita nada. Nem ternura
nem tempo açucarado. Um trapo em balde
de água suja e fria, sonhando-se
brocado.
Uma doença a que nos agarramos,
quando doente é estar. E os maiores
danos: a colher do remédio
fingida de tomar.
Na caixa: o comprimido tão presente
que a sua ausência: a vida, se ela fosse.
Ou lugar de partida que se imagina
doce.
Em vez: os anos para trás. Em vez:
horas do celulóide as únicas reais.
E é sempre de um tamanho e só: o espelho
Onde se julga mágicos sinais.
O passado é passado. Não evoca
Nem cheiros, nem toque do veludo.
(Mas: luva por gaveta
- e a golfada de sangue
cor de tudo)
Ana Luísa Amaral
lido por Fernando Zagalo
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