TOPONÍMIA
Mudam-se
os tempos. Já
não
sabemos as matinais canções
nem
habitamos vilas morenas.
Toleramos
serventes de pedreiro louros,
de
preferência não legalizados. Queremos
um
grande apartamento em condomínio
fechado,
um ferrari, uma piscina, um topo
de
gama de uma coisa qualquer.
Temos
ruas, temos praças e pontes
com
nome de revolução. Como todos
os
países temos hino - nação valente
imortal.
Tivemos canela e diamantes,
santos,
barregãs e dinastias de
tiranos
e servos. Andámos muito
no
mar, trocando rotas e poderes,
escravos,
inquisições e cruzes.
Agora,
neste estreito
quadrilátero,
de onde saímos
e
mal regressámos, sem índias nem
quinto
império - salvou-se o manuscrito do
Luís
Vaz a nado - restam-nos a sardinha
e a
conquilha - ao que consta cercadas
de
barcos espanhóis - o bacalhau
que
já não vem da Terra Nova, a memória
dos
pescadores de baleias, esgotada a captura
nas
ilhas.
Também
temos o treze
de
Maio, o negócio clandestino
das
abortadeiras, a broa de Avintes,
os
tintos, por enquanto de marca e
o
leitão da Bairrada e o Benfica e
o
Sporting e o Futebol
Clube
do Porto.
Temos
ruas, temos praças e
pontes
com nome de revolução,
topónimos
nebulosos que a distância
apagará.
Apenas aquela rua
chamada
Cantor Zeca Afonso
poderá
surpreender o transeunte
se
acrescentarem o aviso:
nunca
quis uma rua
só
para si.
Inês Lourenço
in “Logros Consentidos”, 2005
Lido por Alzira Santos
Sem comentários:
Enviar um comentário