em
boa verdade houve tempo em que tive uma ou duas artes poéticas,
agora
não tenho nada:
sento-me,
abro um caderno, pego numa esferográfica
e
traço meia dúzia de linhas:
as
vezes apenas duas ou três linhas;
outras,
vinte ou trinta:
houve
momentos em que fui apanhado neste jogo e cheguei
a
encher umas quantas páginas do caderno
aconteceu
também por vezes que o papel pareceu
estremecer,
mas
o mundo, não: nunca senti que o mundo estremecesse
sob
as minhas palavras escritas,
o
que já senti, e é de facto um pouco estranho, foi isto:
enquanto
escrevia, o mundo parecia deslocar-se,
e
quando eu chegava ao fim das linhas escritas,
sabia
que estava tudo feito,
sentia
que deveria morrer
mas,
como se vê, nunca o mais simples atingiu em mim a
sua
própria profundidade
Herberto Helder
lido por Sofia santos
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