quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A MENINA HÚMIDA


A MENINA HÚMIDA

Eis a húmida menina
na frieza do cinzento!
A brancura Diamantina
solitária contra o vento!...
Ai que triste estás agora,
cresceu a tua nudez,
sem a moldura de outrora
não conheces o que vês.

Aonde estão as flores
que te emprestavam ternura?
Arraial de multicores
com tamanha formusura!
As árvores cheias de vida,
as reuniões de estorninhos,
o cheiro a terra mexida,
ao amanho dos ancinhos.

Os bancos sabiam estórias
para quem as soubesse ler…
Vidas tristes, inglórias,
que eles sabiam entender…
Minha húmida menina,
tão solitária e tão bela
não tinhas ares de grã-fina,
sempre bateste a chinela.

Lá ao fundo, atrás de ti,
parece já mais distante…
quase não o conheci,
não fora o jeito elegante,
está Almeida Garrett!
Sumiu o brilho do bronze,
e até perguntam. – quem é,
nesta solidão de monge?

Minha húmida menina,
conheci-te em carne viva,
velhinha, com dor felina,
tão amarga, tão sentida,
pensar que foste rainha
deste império que é o Porto,
onde a Avenida sozinha
prenuncia um burgo morto!

Pelo sangue desta menina
que tão jovem se ofereceu
e por Santa Catarina,
pelo antigo Coliseu,
pela joia de São Bento,
pela urbe, o meu conforto!
por este granito ao vento,
não deixem morrer o Porto!

Fevereiro 2008
Maria de Lourdes Martins

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