sábado, 24 de maio de 2014

TERRA ANTIGA E RUDE



TERRA ANTIGA E RUDE

Esta paz!... Este silêncio e solidão,
Esta brisa brandinha que perpassa,
Estas montanhas nuas, este chão
Encardido e agreste em que me sento,
Que me dão ilusão de estar em graça
E ser irmã da terra, irmã do vento…

Estes barrocos velhos, carcomidos
De ferrugem e musgo milenar…
E os ribeiros que correm, escondidos,
Na pressa louca de chegar ao mar…

São serras e mais serras no horizonte,
São campos velhos que a giesta invade,
E é o meu coração que, como fonte,
Se abre todo em hossanas de saudade!

Nesta amplidão bailavam as espigas
Sempre que o vento as vinha namorar…
E de longe chegavam raparigas
De olhos a rir e sonhos a voar…

Tudo me encanta e me diz segredos
Que ninguém mais escuta, além de mim,
A urze roxa, as ervas e os penedos,
E o firmamento imenso, azul, sem fim…

Mas o silêncio! Companheiro mudo
Que escuta o meu sentir, o meu pensar
E mesmo sem pedir-lhe me diz tudo
Quanto quero ou não quero recordar…

Traz-me vozes há muito diluídas
No mais profundo do meu consciente,
Melodias que andavam envolvidas
De juventude inquieta, irreverente…

E tu, ó vento, meu irmão traquina,
Lembras-te inda de mim?
De quando eu era menina?

E ele, meiguinho e em surdina,
Diz-me que sim, que sim, que sim!...

Terra antiga, dos meus primeiros passos,
Que logo me endoidaste, mal nasci,
Não me renegues, não?... Abre-me os braços,
Que há-de, um dia, o meu corpo ser p’ra tu!

Maria Ramajal Jorge
in “Longa Metragem”
lido por Maria de Lourdes Ferreira

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