QUEM
ERA?
Com
suspiros no sol e rebuçados no vento
a
imperfeita ilusão do discernimento.
Às
tantas era da preta noite que surgia o vão
mas
disso ninguém falava, ai, quanta aberração…
Financiava
o amor, empanturrava os deuses
sabia
de antemão prever desgostos e reveses
Libertava
as prisões, alicerçava as flores
emendava
o arco-íris com outros tons e cores.
Era
mestre dos pequenos silêncios em cada oratória
pelos
filhos, ensinava os pais, sem palmatória
Às
curvas da beldade endeusava poemas
via
as grandes cidades pelas serras mais pequenas.
Tinha
o dom de sorrir nos momentos enrugados
escrevia
cartas de amor aos ramos secos e quebrados
que
da Lua pendiam à sexta-feira à noite
descendo
aos infernos da inquisição, do açoite…
Para
ler salmos, oferecer maçãs perdoar e sofrer
e
no olhar alheio ver o querer e o ter.
Enquanto
pela dor arejava os recantos, pintava os amanhãs
padrinho
dos leões, noivo da cotovia, protector das rãs
mas
de lágrimas caindo, sempre, sempre, sempre.
Nos
campos de futebol distribuía livros e conceitos
nas
auto-estradas recebia, feliz, conselhos de sujeitos
À
porta dos cinemas contava os filmes que lá iam
e
oferecia bilhetes aos que menos haviam.
Tinha
a postura dos simples, dos lavados, dos sãos
até
ajudava os ricos de suas próprias mãos
Pagava
o devido, nunca fez cheques sem cobertura
nem
cedeu à coacção, ao arbitro, à tortura.
Fez
uma corda para chegar aos ares, aos altos, aos longes
e
depois deu-a a um órfão, sonhador de songes
Deu
amendoins ao mar, marionetas aos senhorios
limpava
os riachos, os ribeiros, os rios…
Apagava
os incêndios dos bosques, plantava pinheiros
incitava
os últimos a serem os primeiros
Recebia
os presidentes, os chefes, os patrões
com
a mesma cortesia que os simples aldeões.
E
sabem porquê?
Porque
fez tudo assim?
Porque
não existia.
Era
apenas invenção dum amante da poesia!
Estranho
vento cai na tua imagem
estranho
fruto descende dessa aragem
estranha
vantagem
esta
de dar a conhecer a madrugada
antes
da noite secar
nem
o Sol nos limita ou endurece
apenas
a vã tábua dum destino
dum
endereço errado
Como
foi que chegamos ao comando à distância
como
foi que o jovem agarrou a nuvem
e
dela fez chover as gotas de poesia
ele
que nunca leu um livro
nem
ficou boquiaberto num poente?
Como
foi que nos metemos por entre os filamentos
e
as partículas
e
delas fizemos sangrar tanta inovação
tantos
modelos reduzidos
em
infinitas conjugações electrónicas
que
tanto nos avançam
nos
perturbam
e
nos doem?
Hipotecamos
a vida ao perfeito progresso
São
as máquinas sublimes que nos puxam
nos
empurram para todos os futuros…
Fernando Morais
in
“O Poeta Escondido”
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