quarta-feira, 16 de abril de 2014

FECHOU A ESCOLA EM GRIJÓ



FECHOU A ESCOLA EM GRIJÓ

I
Dantes ouviam-se as crianças a caminho da escola
e eram como pássaros de som nas manhãs de Grijó.
Não eram muitas, mas as vozes joviais
davam sinal de que a aldeia resistia,
continha à distância o deserto que a ronda
como a alcateia ronda uma rês tresmalhada.

Agora as crianças, todas as manhãs,
são acondicionadas como mercadorias
numa viatura com vocação de furgoneta.
Lembram judeus amontoados
em vagões jota a caminho de algures.
Vão aprender em terra estranha o que os seus pais
e os pais dos seus pais aprenderam em Grijó.

II
Só se voltam a ouvir ao fim da tarde
quando a viatura as despeja no largo da aldeia
como artigos que ficaram por vender.
Mas ouvem-se pouco, porque vêm cansadas.
Ouvem-se pouco e triste porque o seu dia
foi deportado para outra terra onde
não se lhe firmam as raízes.
O senhor ministro das Finanças está contente,
porque poupa meia dúzia de euros
com a violenta trasfega da infância.

Mas está triste Grijó, porque já não ouve
as suas aves de manhã a caminho da escola
– e por isso pode dizer-se que a aldeia encolheu,
ficaram uns metros mais perto
as dunas de amanhã.

III
Caladas as vozes tagarelas das crianças,
nos dias de Grijó poucas mais vozes se ouvem
do que as de alguns velhos que antecipam
em palavras raras, conformadas,
o dia em que o silêncio cobrirá com estrondo
o (des)povoado definitivamente.

O senhor ministro das Finanças terá poupado
mais alguns euros com a instauração
deste opressivo silêncio final,
e ficará contente.

Grijó não.

A.M. Pires Cabral
Resumo, a poesia em 2013
Ed DOCUMENTA, Fnac
lido por Miguel Leitão

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