A
Penosa Descoberta
“Poética”,
disse ele, pousando o copo.
Posso
não acreditar em nada, nem seguir
o
barulho regular dos relógios, continuou
no
mesmo tom de voz: a minha vida
aproxima-se
do ideal poético superior.
Abriu
a janela e recebeu na cara os ventos
do
norte. Nada o impedia, agora,
do
encontro com a solidão irremediável.
Pousou
a bebida no parapeito, agarrou
com
a mão direita um ramo de árvore e,
com
a mão esquerda fechada no ar, disse
em
voz alta: “Poética”, para que todos
ouvissem.
No entanto, ao dar-se conta
de
que estava só, em plena madrugada,
fechou
a janela, fechou o livro que começara
a
ler, na véspera, fechou a luz
–
e à claridade baça e fria do inverno
sentou-se
no chão de madeira, a pensar,
como
se não houvesse mais ninguém
naquele
mundo.
Nuno
Júdice
in
“O Mecanismo Romântico da Fragmentação” (1975)
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