ESCREVO-TE A SENTIR TUDO ISTO
escrevo-te a sentir tudo isto
e num instante de maior
lucidez poderia ser o rio
as cabras escondendo o
delicado tilintar dos guizos
nos sais de prata da fotografia
poderia erguer-me como o
castanheiro dos contos
sussurrados junto ao fogo
e deambular trémulo com as aves
ou acompanhar a sulfúrica borboleta revelando-se na saliva
dos lábios
poderia imitar aquele pastor
ou confundir-me com o sonho de cidade que a pouco e pouco
morde a
sua imobilidade
habito neste país de água por engano
são-me necessárias imagens radiografias de ossos
rostos desfocados
mãos sobre corpos impressos no papel e nos espelhos
repara
nada mais possuo
a não ser este recado que hoje segue manchado de finos bagos
de romã
repara
como o coração de papel amareleceu no esquecimento de te
amar
AL BERTO
in “O Medo” (1987)
Manuela Caldeira
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