terça-feira, 13 de agosto de 2019

Deixa ficar a flor,



Deixa ficar a flor,
a morte na gaveta,
o tempo no degrau.

Conheces o degrau:
o sétimo degrau
depois do patamar;
o que range ao passares;
o que foi esconderijo
do maço de cigarros
fumado às escondidas...

Deixa ficar a flor.

E nem murmures. Deixa
o tempo no degrau,
a morte na gaveta.

Conheces a gaveta:
a primeira da esquerda,
que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
pela janela fora?
Na batalha do ódio,
destruam-se, fechados,
sem tréguas, os retratos!

Deixa ficar a flor.

A flor? Não a conheces.
Bem sei. Nem eu. Ninguém.

Deixa ficar a flor.

Não digas nada. Ouve.
Não ouves o degrau?

Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...

Não digas nada. Ouve:
é com certeza alguém,
alguém que traz a chave.

David Mourão Ferreira
in “Os Quatro Cantos do Tempo”
lido por Céu Guedes

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