BRINCAS TODOS OS DIAS COM
A LUZ...
Brincas todos os dias com
a luz do Universo.
Subtil visitadora, chegas
na flor e na água.
És mais do que a pequena
cabeça branca que aperto
Como um cacho entre as
mãos todos os dias.
Com ninguém te pareces
desde que eu te amo.
Deixa-me estender-te
entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome
com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah, deixa-me lembrar como
eras então, quando ainda não existias.
Subitamente o vento uiva
e bate à minha janela fechada.
O céu é uma rede coalhada
de peixes sombrios.
Aqui vêm soprar todos os
ventos, todos.
Aqui despe-se a chuva.
Passam fugindo os
pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra
a força dos homens.
O temporal amontoa folhas
escuras
E solta todos os barcos
que esta noite
amarraram ao céu.
Tu estás aqui. Ah tu não
foges.
Tu responder-me-às até ao
último grito.
Enrola-te a meu lado como
se tivesses medo.
Porém mais que uma vez
correu uma sombra estranha pelos teus olhos.
Agora, agora também
pequena, trazes-me madressilva,
E tens até os seios
perfumados.
Enquanto o vento triste
galopa matando borboletas
Eu amo-te, e a minha
alegria morde a tua boca de ameixa.
O que te haverá doído
acostumares-te a mim,
à minha alma selvagem e
só, ao meu nome que todos escorraçam.
Vimos arder tantas vezes
a estrela-d'alva beijando-nos os olhos
E sobre as nossas cabeças
destorcem-se os crepúsculos em leques rodopiantes.
As minhas palavras
choveram sobre ti acariciando-te.
Amei desde há que tempo o
teu corpo de nácar moreno.
Creio-te mesmo dona do
Universo.
Vou trazer-te das
montanhas flores alegres, "copihues",
Avelãs escuras, e cestos
silvestres de beijos.
Quero fazer contigo
O que a primavera faz com
as cerejeiras.
Pablo Neruda
in “Vinte Poemas de amor e uma canção desesperada”
trad. de Fernando Assis
Pacheco (Publ. D. Quixote, 1a ed. 1971, 15a ed. 2007)
Lido por Manuela
Caldeira
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