quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

NÃO TE DEBRUCES



NÃO TE DEBRUCES

Não te debruces assim
No espelho da cristalina água
Lembra em cada dia
O ignaro passageiro mortal
Que a luzidia água
Em que obstinado te miras
Também pode ser letal
Lembra Narciso enfeitiçado
Que as águas da tua embriaguez
Trarão consigo em brevidade
Ó estonteado e mísero cego
A negação de tudo o que tu és
O tamanho de toda a tua pequenês.

Lembra por isso sem cessar
Que o mundo afoito e desigual
Tece sapiente para ti, incauto
Tramas de aço e de ouro
Com as quais a ti mesmo
Ardilmente hás-de enlear...

Lembra para sempre ó Narciso
Que a perfeição de tudo
Do todo que quiseres ter
Será afinai sem pejo
O áureo acenar moribundo
Da perfeição que te propões
Insensato para ti fazer nascer...

Tu não queiras por isso
Ó moribundo extasiado
Da plenitude de todo o teu eu
Toda a falsa pujança
Pois na magna brevidade
Do tempo que a si tece
Guardarás perenemente em dor
Toda a inócua lembrança
De que um dia quiseste...

Não queiras, por isso
Ó deslumbrado Narciso
Nada do funesto tempo
O doirado fosco do teu dia
E lembra para sempre
Que o acalento do que quiseres
É um magnânimo trinado
Que traz a ti próprio
Em eterno cadafalso
Perdido em elegia
Perdido em dor em alegria...

Não queiras, por isso
Narciso, a perfeição
Que sapientemente
A ti, e só a ti ludibria...

Acilda Almeida

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