quarta-feira, 2 de maio de 2018

A PELE



Assim ou... nem tanto. 136
A PELE

Crescer implica mudar muitas vezes de pele. É um pouco como alterar o ritmo da passada, o jeito de olhar, de pensar, de ser. A pele é o que nos veste quando estamos nus. Moldáveis desde que nascemos, somos afinal reflexo de quem nos ensina e educa. Traduzimos no comportamento, princípios e valores que recebemos e só depois interiorizamos o legado ou, no limite, o rejeitamos por ser pele onde cabemos mal ou não cabemos. Somos, como referi, sempre moldáveis mas a nossa constituição única responde com maior ou menor resistência aos sucessivos caminhos que a vida nos propõe. A mesma educação gera resultados divergentes de acordo com a genética e o temperamento de quem a recebeu. Se é verdade que há, nas criaturas, porções vitais comuns, são incontornáveis as diferenças que nos tornam inconfundíveis, só capazes de aceitar, integralmente, o que nos seja compatível. Mudei muito o modo de ser e de estar, o pensamento, a cultura e o gosto, as vertentes do prazer que me tornam anjo ou demónio à vez. A pele é, obviamente, outra. Sinto-a hoje mais dúctil, elástica, hidratada, mais apta a fazer a paz ou a guerra consequentes, mais fácil de arrancar, substituir, adaptar, crescer. Sempre mais sábia, tolerante, informada. Mudo-me muito e amanhã vou sentir tudo de outra forma. Eu sou a mudança! Mantenho, no entanto, estável o veneno. Como se fosse, potencialmente, uma cobra. Mantenho, partidas embora, as minhas asas inúteis. Um dia, mudo-me radicalmente e voo.

Edgardo Xavier.
Sintra, 19 de Abril de 2018
Lido por Manuela Caldeira

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