Dia 307.
Voltei a nascer. Hoje. De
mim mesmo. Eu, que fui pássaro e fui réptil. E já fui tojo e andorinha. Durante
oito séculos, oliveira. E fui irmão de todas as cegonhas. Também fui rato,
minhoca, cão, raposa e tartaruga. E já fui figueira. E cedro. E fui um jovem
loureiro. Por mais de cem anos, uma acácia. Por pouco tempo um barbo, brilhante
e ruivo. E fui também a mais estouvada das medusas. E mirtilo. E musgo. E
macieira. E gostei de ser um lobo. E um solitário castanheiro. Fui mais tarde,
mirto, melro, molusco, gaivota, gato, lírio, giesta, medronheiro. No início fui
alga. A seguir, albatroz. Depois escaravelho, pintassilgo, lebre e hortelã.
Cheguei a acordar roseira. Mas igualmente plátano, boca-de-lobo, aloendreiro. E
algumas vezes cardo e outras vezes trigo. Menos vezes, uma tília. Gostaria de
ter sido laranjeira, mas nunca aconteceu. Mas já fui cerejeira por uns tempos.
E abelha. Acreditem, fui abelha. E fui também perdiz, e pombo, e fui batráquio.
Não gostei, por aí além, de ser um sapo. E também não gostei de ser um cacto.
Mas adorei ter sido uma libélula. De quando fui louva-a-deus, pouco me lembro.
E recordo vagamente os tempos de coelho e de cabra e de cavalo. E de cana e de
carpa, de cigarra e cotovia. Jacinto, também fui. E fui morcego. E fui melro. E
fui poejo. Fui até, vejam bem, uma buganvília. As últimas lembranças, no
entanto, as mais claras, são de ter sido amendoeira, águia, aranha,
bicho-da-seda e beija-flor. Por me ter recusado, não fui víbora. E por não ter
feitio, camaleão.
JOAQUIM PESSOA
in ANO COMUM (Ed. Edições Esgotadas, 2a ed, 2013)
lido por Manuela
Caldeira
Me encontrei no teu poema! Quero continuar a ser..mais e mais..quero ser águia,renascer eu....Eneida..../// Bravos lindíssimo poema!
ResponderEliminarAmei, bravos !!!
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