SAFRA
DE SAFIRAS
A
idade, é certo, removeu de mim
alguns
itens — mas em troca deu-me
um
pouco mais de argúcia.
Por
exemplo, ensinou-me
como
aceitar a escassez:
qualquer
migalha que possa recolher
no
bornal de mendigo é agora bem-vinda.
Ainda
esta manhã. Apetecia-me
um
desses grandes sóis torrenciais
que
põem a terra em chamas
-
mas era nuvens o que havia no céu.
Não
me lamentei, não me arrepelei,
não
rasguei as vestes e não lacerei
as
carnes quase nuas nos picos das silveiras.
Porque
de quando em quando fazia-se um rasgão
nas
nuvens franjadas de ouro
por
onde assomava um retalho de azul.
E
com esse azul intermitente fiz
uma
boa safra de safiras,
pensando:
que diabo,
o
sol torrencial pode esperar.
A.m. Pires Cabral
in
“Gaveta
do Fundo”
lido por Maria Afonso Morais
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