A BELEZA ESTÁ NOS
PORMENORES
E a beleza está nos
pormenores, e o Homem está nos pormenores, e a esperança está nos pormenores, e
a felicidade está nos pormenores porque os pormenores são-no essencialmente...
porque os pormenores são como as manchas que separam a borboleta do leopardo...
porque os pormenores são o que nos distingue... porque os pormenores são a
surpresa da diferença e a simplicidade da segurança e estão em todo o lado, mas
não se vêem porque são camaleónicos, esbatem-se nas cores pardas dos lugares comuns
e é preciso usar as mãos para os perceber, deixando que nos toquem como um
amigo que se achava feio até lhe tocarmos a cara como fazem os cegos.
E agora vamos fazer um
exercício: olhem para o vazio e digam o que vêem. Digam, digam tudo,
principalmente o que vos parecer insignificante, estúpido, básico, facultativo,
irrelevante porque aí estará a verdade, não por ser bela mas por ser… e ser é
bem melhor do que... não... espera. Ser é bem melhor do que... não... vou
tentar de novo... ser é bem melhor do que... ser é bem melhor do que... não...
nem é preciso tanto porque ser é bem melhor.
Se olhares com muita
atenção para os olhos de uma pessoa qualquer vais ver o vácuo, mas se olhares
com muita atenção para os olhos da Helena, que leva os lábios a cair de rosa e
os joanetes apertados, vais ver tudo porque lhe vais sentir os pés e os lábios
à distância nesse amar remoto, desconhecido e telecomandado pela capacidade de
beijar ao longe com as lentes de contacto de quem toca só para confirmar se
aquela pessoa é tão linda como parece. E, neste caso, o que parece é porque o
vemos com a determinação da mãe que avalia o recém-nascido em todas as suas
reentrâncias só para ver se o menino é perfeitinho.
João Negreiros
in “Luto Lento”
Lido por Manuela
Caldeira
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