sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A BELEZA ESTÁ NOS PORMENORES


A BELEZA ESTÁ NOS PORMENORES

E a beleza está nos pormenores, e o Homem está nos pormenores, e a esperança está nos pormenores, e a felicidade está nos pormenores porque os pormenores são-no essencialmente... porque os pormenores são como as manchas que separam a borboleta do leopardo... porque os pormenores são o que nos distingue... porque os pormenores são a surpresa da diferença e a simplicidade da segurança e estão em todo o lado, mas não se vêem porque são camaleónicos, esbatem-se nas cores pardas dos lugares comuns e é preciso usar as mãos para os perceber, deixando que nos toquem como um amigo que se achava feio até lhe tocarmos a cara como fazem os cegos.
E agora vamos fazer um exercício: olhem para o vazio e digam o que vêem. Digam, digam tudo, principalmente o que vos parecer insignificante, estúpido, básico, facultativo, irrelevante porque aí estará a verdade, não por ser bela mas por ser… e ser é bem melhor do que... não... espera. Ser é bem melhor do que... não... vou tentar de novo... ser é bem melhor do que... ser é bem melhor do que... não... nem é preciso tanto porque ser é bem melhor.
Se olhares com muita atenção para os olhos de uma pessoa qualquer vais ver o vácuo, mas se olhares com muita atenção para os olhos da Helena, que leva os lábios a cair de rosa e os joanetes apertados, vais ver tudo porque lhe vais sentir os pés e os lábios à distância nesse amar remoto, desconhecido e telecomandado pela capacidade de beijar ao longe com as lentes de contacto de quem toca só para confirmar se aquela pessoa é tão linda como parece. E, neste caso, o que parece é porque o vemos com a determinação da mãe que avalia o recém-nascido em todas as suas reentrâncias só para ver se o menino é perfeitinho.

João Negreiros
in “Luto Lento”

Lido por Manuela Caldeira

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