terça-feira, 30 de agosto de 2016

DESENCANTO


DESENCANTO
(Homenagem aos nossos artistas precocemente desaparecidos)

Porque partem ao cedo
Os artistas do meu pais?

Porque morrem tão cedo
As pessoas que me fazem feliz?

Será por medo de viver?
Ou por desencanto?

Porque vejo desaparecer
As pessoas que amo
E me deixam em lamento profundo.
Infeliz e em pranto,
Chorando de saudade,
Porque me vejo só
No mundo?

Porque te foste tão cedo,
Domador das palavras ditas,
Quando havia muito para
Dizer... declamando?
Vi-te, poeta do sorriso sério.
Falar da doçura de Neruda,
Da loucura de Fernando,
Lembrando
Que de Pessoa e louco.
Todos temos um pouco.

Do meu país!

Porque te foste tão cedo,
Poeta da castração negada
Em palavras malditas,
Contadas por músicas bonitas
Em fados e acordes
Que desassossegam os feios?
Lisboa menina e moca, menina
Linda e altaneira,
Em agradecimento eterno,
Ir à Graça, à Estrela
Ou à Praça da Figueira,
Buscar o calor duma castanha.
Que lhe dará vida
Em tarde fria de Inverno.

Porque te foste tão cedo,
Poeta da Rua da Saudade?

Porque cedo viste
O desencanto do teu povo triste?

Como eu lamento
Este teu cedo ir!

Triste para mim...
Alegre,
Para os feios

Vi-te de rosto crispado,
Falar sobre a palavra épica de Brecht,
Quando este
Chorava com o sorriso dos feios.

E vi-te antes de partires.
De dedo em riste
E sorriso triste,
Zangado,
Ressuscitar o Manifesto Anti-Dantas:

Morra o Dantas, morra, pim!

Num grito que Almada viveu sufocado,
E que tu, Poeta das palavras bem ditas
Lhes deste alma e cor.
Almada jamais te pôde agradecer,
Mas do Ipiranga veio o grito
De Vinícius, em forma de vénia
Que me fez estremecer.

E Vénia farei,
Enquanto viver!

Como lamento
O teu cedo desaparecer!

Triste para mim...
Alegre para os feios

Do meu pais!

E tu,
Poeta das Cantigas do Maio,
Que tão cedo deixaste
A tua vila morena
Em terras de sol quente.
Em madrugada por amanhecer.

Sentias que Abril
Estava a morrer?

E tu,
Poeta-cantor
Das canções com Lágrimas,
Que te deixaste afogar
Num ébrio desencanto.
Cantado no teu pranto
Em voz doce de embalar.
Que me cantaste.
Que a verdade
É mais forte que as algemas,
E te deixaste aprisionar
Na vontade de não viver.

Quem me cantará
As baladas que escrevo...
E não sei cantar?
Porque quiseste morrer,
Poeta da Menina dos olhos Tristes,
Deixando-me infeliz com lágrimas
Sobre o sorriso chorado de Abril?

Porque te foste tão cedo.
Do teu desencantado Pais?

E tu,
Poeta-Barbeiro,
Cantor do engate,
Porque me deixaste
Refém e saudoso
Do teu gingar
Em variações
Em que o meu corpo
Gingava no teu.
Para prazer
Da minha mente?

O corpo é que paga
Quando a cabeça não tem juízo
Mas para meu consolo
E bom siso,
Encontro no teu gingar
Explicação
Para a recusa e bom tom,
Em não partilhar
Do mau gosto

Que varre
O rosto do meu País!

Porque partem tão cedo
As pessoas boas do meu País?

Será por Desencanto?

Ou porque os feios
Não deixam espaço
Nem tempo, nem canto.
Para os que falam e cantam
Sobre o Desencanto Malfadado
Deste triste País?

Porque morrem tão cedo
As esperanças
No meu País?

"Será por Desencanto?

Angelino Silva
in Cadernos de Poesia

Lido por Maria Manuel Rito

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