sábado, 4 de junho de 2016

SONETOS


SONETOS

1.
Tudo que tenho, que já fiz ou faço
é saber te esperar, ficar tranquilo,
viver equilibrando tempo e espaço,
tentando versos, remoendo estilo.

Dizer baixinho um nome e num pedaço
de papel escrevê-lo ou sugeri-lo,
contemplá-lo por dentro como um traço,
uma inscrição de amor, mas em sigilo.

Sei que tornas o ser maior que o mundo
e que a tua miragem não se deixa
perceber na ilusão do dia a dia.

E tudo que te expressa vem do fundo,
da curva do silêncio, desta queixa
que te restringe e anula, e mais te amplia.

2.
Sobre o morro, a cavá-lo,
um cavalo indescente;
com sua perna, fá-lo
para trás, para a frente.

Sobre o morro, presente
a manhã com seu talo,
galopa o sangue quente
na carícia do embalo.

Sobre o morro, pastando
seu orvalho e capim,
ninguém sabe até quando

esse animal sem nome
pastará sua fome
de janeiro a jardim.

3.
Atravessei o azul da noite para
te inscrever num poema, mas, no fundo,
queria ver também como ficara
sonhando com princesa um vagabundo.

Queria achar uma palavra rara
para te dar, algum sinal profundo
que, através de teu nome, atravessara
todas as formas líricas do mundo.

Tentei tirar da noite alguma imagem
que fosse apenas tua, alguma lente
que te ampliasse dentro da linguagem,

que te cavasse o espaço da figura
mas nunca te mostrasse inteiramente
nas soluções mais fáceis da leitura.

4.
Só me julguem de dentro, na distância
que me transformaria se não fosse
o nome permanente na aliança
que se ri no final de tudo: coice

no pacato da vida, tiroteio
de ladrões na avenida, o indescritível,
o inefável do amor, o desespero
na linha do melhor, do mais difícil,

do que mais ilumina e sabe: gesto
de foice abrindo o real, força no vento,
o desdobrar de um sol imperativo

e a forma de julgar o tom e a tese
desta nova emoção que vai remoendo
as franjas do que foi e tem sentido.

5.
É na ponta dos dedos (peixe e polvo)
que tacteio' teu corpo — esses sinais,
algas marinhas, esta rima em uiva,
este navio que ficou sem cais.

É na ponta da língua que dissolvo
a essência de teu nome — essas vogais,
essas letras macias como vulva,
como coisas que como e quero mais.

É na ponta da lança que te invoco
e te possuo aqui, no tom discreto
das sombras se aninhando nos quadris.

E é na ponta dos pés que metrifico
compondo o teu silêncio — este soneto,
estas cenas de amor que pedem bis.

6.
Tudo se cumpre aqui, na pertinência
do texto que te indaga e te dilui,
ó poesia, limiar de contra-sensos,
excesso de paixão no fim da página

aberta sobre nós e folheada
ao sabor dos acasos e memórias.
Tudo se cumpre e esvai na tentativa
do que resiste e fala como incêndio.

Nas rugas desta insónia, a confidência
do essencial. Na busca do sentido,
o corpo a corpo, este exercício e, no âmago

de todos os fragmentos, os suportes,
a confluência dos sinais, e os termos
da espalhada unidade, e precipício.

7.
Talvez te pronuncie por descuido
durante a viagem ou no hotel, dormindo.
Ou sonhando talvez que sou ou fui
do mais íntimo instante, do mais lindo

reflexo no papel, letra que cuido
nesta transformação que vai surgindo
como se tudo fosse meio fluido
e amor andasse no ar interferindo.

Há sabor de resina no circuito
dos meses. Há calor de vinho tinto
no além de algum vocábulo fortuito.

Mas só o que não há ronda o recinto
e fala mais por si que pelo intuito
de um sinal que não vejo nem pressinto.

8.
Gota a gota te bebo, e te articulo
como um fonema raro, mas sem língua;
um jeito no pescoço, mágoa e míngua,
forma de amor crescendo no casulo.

Gota a gota me perco, e é quase nulo
o tempo do prazer: o meu cachimbo,
a rima recortada — nuvem, íngua,
o câncer de algum signo que acumulo.

Gota a gota, porém, tudo o que é lindo
deixa apenas memória, deixa o espaço
que não te prende nunca, nem te esgota.

Gota a gota te aceno, e vou saindo
de dentro de teu nome: levo um traço,
uma coisa qualquer na mão canhota.

Gilberto Mendonça Teles 
in PLURAL DE NUVENS 
lido Maria Manuel Rito

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