quinta-feira, 24 de setembro de 2015

PARA GARCIA LORCA


PARA GARCIA LORCA

O chapéu de três bicos
a las cinco de la tarde
que a guarda civil mostrava
planícies de couro e sol
tecidos do movimento da fala.
Era um pontapé no escuro
chama que nunca apagava
o sangue e as castanhetas
de repente entontecia
Espanha fria madrugada
da chuva que não caía
da sorte que lhe azarava.
Dos caminheiros sem fim
por montes esburacados
por bandeiras de setim
manchas de terra e trigo
e de uma gota de sangue
que de Goya se escapava
e de Ferrer se nutria.
Essas bandeiras de fome
que a fartura de coragem
tanto levava adiante
de repente entontecia
fazia romper a aurora
rasgava de lume e beijos
do incêndio das paixões
e que a las cinco de la tarde
era de mais uma hora
era de mais uma hora…
Luzia o sol. Fundo feria
nesse chorar da guitarra
feria fundo e luzia
quebrava longe a campina
nenhum touro se avistava
e o horizonte bulia
e falava-se com terra
e com terra se cobria
a morte na madrugada.
Luzia a lua. Luzia
com fogachos de nada
na preta noite ferida
da distância e da lonjura
no grito da Estremadura.
O cigano emudecia
as marcas da mão gretada
e a lua sem compaixão
iluminada de nada
do nada que ali havia
que de Goya se escapava
e de Ferrer se nutria.
Ai que nem um sino rompia
o silêncio de vinte e nove
um frio, frio, fazia
chover calor pela aurora
e rebentar de paixões
de tanto lume na estrada
do braseiro no trigal
na quietude morena
de penhascos já tão gastos
e de grilos e de palha
e de MANUEL DE FALLA
que de Goya se escapava
e de Ferrer se nutria.
Esse chapéu de três bicos
de três cornos se dizia
Luzia o sol. Sim. Luzia.

Fernando Morais

Lido por Amílcar Mendes

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