quinta-feira, 20 de agosto de 2015

CERZIDEIRO


CERZIDEIRO
(IV)
(Vestido para morrer)

Custoso marchei para terras do planalto
deixando nas costas amargura
uma lágrima interiormente escondida
milhões de razões para desertar;
- larguei pela estrada de negro asfalto
pedaços duma vida que só seria segura
esquecendo a dor duma paixão escondida
e enfrentar a guerra finda, por terminar

Treinei a espaços o já experimentado
entre risos, largas recordações a meninice
repassando corpos caras a goiabeira
mergulhos nas águas da imaginação  
 lutas "lusitanas" rei destronado
índios cowboys até um xerife
c' as calças passajadas pela cerzideira;
_ Escutei dum vira latas ladrar de cão!

"Corre sacana isto né pra meninas"
suscitando-me a dúvida do nascimento
numa difícil e premente escolha;
_ fora o gajo cágado em vez de parido?
- Redobrar d'atenção: Vejam exas minas...
soava a voz parecida à dum jumento
animal esperto. De profissão trolha
cabo de guerra seria o futuro escolhido

Entre saltos, valas, mergulhos em lagoas
disparos, tirinhos de pólvora seca
continência à bandeira solta ao deus dará
assinalando, de longe c' bons ventos
só (!) os corpos das gajas boas.
- A cada tertúlia aumentava a peta
dos combates no Marçal nada se contará;
_ já se vendiam em Fátima velas c' lamentos

Mostraram os cineastas dos filmes militares
pressa d' apresentar em última versão
heróis tombados por jipes atropelados
e rixas à tardinha entre cerveja e tremoço.
- Cabelos modernos, e dados a bons ares
tanques descapotáveis antecipando o verão
eis que mostravam perfil de bons soldados
prontos a combater, antes do almoço

Chegado Maio mais um grande comício:
_ caído o império viria a fartura
representação simbólica em punhos cerrados
estandartes de cor de sangue estranho
que a metade verde seguira pró hospício;
_ finalmente derrotavam a ditadura!
- Deslumbrados c' os candeeiros engalanados
não pensaram ser maior a perda q' o ganho

Esticou-se a euforia a outros territórios
matizou-se o riso com a desgraça
vagueando de arma em riste
perdia o melhor da minha juventude
montando em cima de carros alegóricos
dando corpo ao que fora um golpe sem graça
em que a pena do poeta não resiste
e explicitando a toda a traição alude

Rasgava-se o peito invadia-mo desprezo
não tardei a despir suja roupa
suprimido o canto de 'Angola é nossa'
por palavras vindas do velho continente
e por reclamação, destino, ser preso!
- Só vive quem na vida as palavras poupa,
sabia q' elas não matam mas fazern mossa
e eu podia morrer longe de nha gente.


Adolfo Castelbranco

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