quarta-feira, 22 de abril de 2015

25 de ABRIL


ao prof. Agostinho
25 de ABRIL

E tu ó meu povo, meu povo sagrado
te digo
com lágrimas no rosto, escorrendo pelo peito
com este jeito
que tenho de chorar de emoção
que fizeste a maior, a mais bela e forte
a mais sedutora e poética
das jornadas da vida e do amor
contra a morte
Que fizeste Abril quando
já nenhum outro povo pensava
que Maio pudesse ressuscitar.
Tu fizeste um novo Maio
uma Comuna dos sem esperança
vingaste o Ultimatum, vingaste Soeiro, vingaste o Tarrafal
trouxeste Portugal
para as páginas do mundo
fizeste o país novo surgir
do restolho das lixeiras mundanas
e trouxeste o brilho que dos olhares tinha fugido
e o sangue lusitano voltou a correr-te nas veias
e mil sóis atómicos na poeira dos caminhos
fizeste sentir.
Da aldeia à capital alimentaste o fogo sacro
milhentas vezes repetido
a plenos pulmões
em hossanas que acordaram as pedras mais antigas
que despertaram os palácios e as retretes públicas
e atroaram os ares
fazendo resplandecer os vidros foscos das janelas foscas
das persianas cerradas há séculos.

E tu, ó Povo, meu povo eleito
para escrever enfim com o suor do trabalho
a semente da palavra
fincaste no duro chão a bandeira que já ninguém brandia
e com ela te vestiste e com ela viveste e com ela dormiste
no intervalo de cada jornada
apesar dos broncos de gabinete
dos medíocres de meia tigela
dos enterrados vivos na lama dos chefes
dos que seguram com raiva o livro de cheques.

Tu, que nem sabes
nem mesmo hoje sabes
tudo o que fizeste, tudo o que pudeste, tudo o que nos deste.
Tu a quem jamais foi dito
como sempre acontece nas páginas da História
quando se superam os factos e se atinge a morte
com a força da vida,
que tinhas feito ABRIL ao fazer-te adulto
que tinhas ganho Abril ao tornar-te culto
que tinhas triunfado do teu fado oculto
e que agora surgias na manhã do nevoeiro último
como um raio divino que tudo esclarece
como a aurora do mundo cujo amor enobrece
tão vitorioso que nem deste por isso
tão natural foi Abril para ti
ao dá-lo assim a tudo o que na Terra há
de vivo e subtil.

E tu, ó povo, meu povo eleito
fizeste Abril não para hoje, nem para ontem,
porque as Coisas grandes são Grandes por dentro
não se vêem logo
As grandes mudanças podem ser mentidas, fustigadas, vendidas
pelos vis interesses
dos serviçais do medo
por isso Abril foi tão amputado
tão rasgado em carne e na praça pública
tão leiloado pelos penhoristas
e por fim atirado como coisa suja
que já nem se quer, que já nem se usa.

Entretanto,
atrás desta derrota aparente
Abril estava mais vivo
renascia da Fénix, encostado a ti, apoiado em ti
e por ti alimentado com leite do seio
para a vida eterna.
Porque as grandes Causas são como o pão do espírito
só se vêem depois
só se sentem depois
e por isso são grandes
e perenes
e acendem montanhas de luminosidade
na treva dos deputados, dos parvos, dos infiéis.
Que a vida é mesmo assim e todos nós sabemos
que ABRIL não morre
enquanto houver um português que pense.
Por isso, povo eleito, as tuas mãos estreito
com alegria e fé.

Fernando Morais

in “O Poeta Escondido”

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